28 de dezembro de 2010

É pegar nos problemas como se fossem bolotas e carregar só um de cada vez...

Esforço optimista

Sou uma barata de pernas para o ar a espernar, a espernear, como o outro. Se fosse uma borboleta queimava as asas numa lâmpada qualquer. Mas ficar para aqui assim é morrer de fome e de frio e cansar-me um dia de espernear e ir-me embora sem ter visto a luz de perto, nem que por um segundo. Bom era ser cavalo a correr na pradaria, musculado, forte. Mas dizem que se houver um desastre nuclear os cavalos morrem e as baratas não. Não se pode ter tudo. Eu nunca fui muito de correr, mas vou-me aguentando à bronca. Se espernear muito, com muita força, pode ser que me endireite. Ou que apareça alguém que me dê uma mãozinha. É preciso ter esperança.

Ladainha

Ai quem me dera não viver fora do tempo, entre o passado e o futuro, entre as nostalgias e os sonhos. Quem me dera que os meus pés corressem na estrada, na terra, na erva, na areia, na neve, na lama do chão. Quem me dera ser alegre e passar mais tempo a sorrir e menos tempo a cerrar os dentes e os punhos. Quem me dera que alguém pudesse ensinar-me a ser criança outra vez para ter tempo para brincar mais e pensar menos e por isso ser menos velha por dentro. Quem me dera que a vida me fosse mais leve. Quem me dera. Quem?

23 de novembro de 2010

Medronhos maduros

Entre a espada e a parede

A hora mudou para o cedo se fazer tarde. É o tempo das castanhas no lume, que o meu nariz persegue na rua com prazer.  A chuva molha-me as botas a caminho do trabalho, mas o que eu queria mesmo era chapinhar nas poças e ficar a olhar para as gotas que caem, com a boca aberta, à espera de matar uma sede qualquer. O verão passou tão depressa, tão depressa que eu já não sei ler nem escrever. Há outra vez uns braços que vêm mas que em breve partirão e eu para aqui sempre a olhar para o meu próprio ventre e a pensar de onde veio esta cicatriz redondinha e como dar-lhe a volta por fora sem torcer o pescoço. Quero saber o sabor dos dias e das noites sem sobressaltos como quando era só eu e a chuva. Tenho saudades e nem sei de quê.

2 de novembro de 2010

Ansel Adams











Isso

"Much of the modern clash between science and religion focuses on questions about whether God exists independently or is a construct of the brain and whether the soul lives on after the body or ends when the brain dies. Are these crucial religious questions? I would argue that they are not. For the vast majority of people, religion is a way of life. It is about community and music, place and food, comfort and emotional support. It is, like all of human culture and experience, a function of our peculiar neurobiology, and we should try to appreciate it as such."

Michael Graziano, Big Questions Online

And he does it, oh yes he does

“When I’m on stage I want to rip your throat off with the music, I want to beat you into a pulp with the law. I bring the law, I bring it! So you wanted to live by it? You wanna know what’s good and evil? OK, let’s talk about it, if you wanna live by your expectations or someone else’s. But I know that you can’t do it, and I wanna help you get there real quick, to the point where you realize that you’re completely hopeless without the mercy of God”  – David Eugene Edwards.


WOVENHAND - Your Russia from Stefan Raduta on Vimeo.

1 de novembro de 2010

Em cima da cómoda

Optimismo invertebrado

"Quando perco tudo, resta-me Deus. Se afasto Deus, encontro-te. Não se pode ter ao mesmo tempo a noite imensa e o sol".

Marguerite Yourcenar, Fogos

25 de setembro de 2010

O som das palavras

Gosto mais de umas palavras que de outras. Umas pelo significado, outras pelo som. Perguntas-me de que palavras gosto mais e eu digo-te que gosto da palavra tempo, porque me lembra o som dos sinos que tocam. Sempre gostei do som dos sinos, sobretudo desde que comecei a viajar para outros países e a ouvi-los com a atenção particular dos viajantes pelo novo, pelo distante. Para ti o tempo tem o som do bater de um coração: tem-po, tem-po, tem-po, dizes-me. Encosto a cabeça ao teu peito. A partir deste momento, o som do tempo mudou para sempre.

16 de setembro de 2010

Folhas de Outono

Mal ou bem, com as folhas do Outono há sempre coisas boas a entrar na minha vida. É por isso que anseio sempre um pouco a sua chegada. Num dos primeiros dias de Outono do ano passado, ao passar numa rua do meu bairro, percebi que as folhas das árvores tinham começado a ficar amarelas. Então olhei para cima e, nesse preciso instante, uma delas soltou-se e caiu lentamente, ondulando com o vento, até eu esticar a mão e a apanhar com cuidado. Guardei-a na mala e tive-a em cima do móvel do hall até há pouco tempo. Espero poder substituí-la em breve.
 

14 de setembro de 2010

Regresso a casa

Lentamente, faço as pazes com a cidade que me adoptou. Começo a levar-me menos a sério e, por isso, a deixar-me levar pela vida. Encontro uma muito ansiada espécie de paz. O sol já não me cansa da mesma maneira, embora o meu corpo mole anseie a frescura do Outono, se não mesmo o frio do Inverno. Agora já me apetece outra vez ler romances tristes e profundos, com cenários bucólicos e personagens silenciosos e distantes. As suas dores já não me agridem e já não preciso do calor dos outros para me esquecer  de mim. Um dia ainda hei-de perceber porque é que, ao contrário de quase toda a gente, me sinto feliz com a proximidade do Outono. Porque é que só tenho forças para me enfrentar quando a natureza começa a morrer devagarinho e anoitece cada vez mais cedo. Se eu não tivesse feito as pazes com esta cidade, tentava emigrar para uma terra fria com neve e com alces. Ainda um dia hei-de ansiar o Verão como quem deseja uma boca quente e húmida para beijar.

21 de julho de 2010

Simplesmente ser

Apetecia-me ir-me embora, mas não para um sítio específico, ir simplesmente, em linha recta, até passar tempo suficiente para que renasça em mim a vontade de regressar e que no meu regresso as coisas possam estar tão diferentes, tão mudadas, que o percurso de volta já não seja o mesmo mas um outro e que já não esteja ninguém à minha espera, para eu poder renascer no mesmo lugar de sempre, que é como quem diz apetecia-me mudar de pele, viver outra vida que não a minha, que é como quem diz apetecia-me que o tempo que passou não tivesse passado e que as coisas que vivi não tivessem acontecido, ou melhor, que tivessem acontecido na mesma mas só aos outros e não a mim, que é como quem diz apetecia-me não ter memórias, esquecer-me das coisas todas que já fui, das pessoas todas com quem já me cruzei, que é como quem diz apetecia-me ser mas não ser, deixar de ter peso e volume, que é como quem diz apetecia-me morrer, mas não morrer a sério, não que o meu coração parasse, que o sopro da vida se me apagasse num último suspiro, não, apenas descansar, desligar, deixar de pensar em coisas, simplesmente ser, como os bichos.

Na curva da estrada

Acordo outra vez com o vazio a alastrar como uma mancha de óleo pelas paredes do quarto, a chegar aos pés da cama, a pingar do tecto sobre a minha pele. Gostava de perceber como é que pude tão irreflectidamente permitir-me voltar a ter medo de acordar. E que coincidências são estas que me movem por uns caminhos que, a princípio a medo, decido trilhar e que tendem a levar-me para desertos, colinas desoladas, campos minados onde acabo inevitavelmente por ferir-me, levando depois muito tempo a recuperar, tempo esse que seria com certeza bem mais proveitoso se usado para me fazer mais eu e menos outra qualquer.
Talvez fosse preciso eu chegar aqui, a este lugar, com esta precisa idade, tendo vivido exactamente o que vivi, para poder perceber que crescer também é um mito e que a minha arrogância não me leva mais longe, antes pelo contrário. E este é mais um dos ensinamentos de humildade que precisava que a vida me desse para crescer a sério, no sentido certo, não naquele em que durante muito tempo julguei que devia mover-me, que os rios correm para o mar e assim vão durante o tempo e o espaço que for preciso, sem quererem crescer para cima, como as árvores, pois não se cumpririam rios se assim não fosse e as árvores igualmente procuram o céu, mas contentam-se em permanecer ligadas ao mesmo ponto da terra durante toda a vida, que às vezes é uma infinidade quando comparada com as idades dos homens.
Falta-me aprender a suportar a dor da minha finitude para me poder cumprir eu também no meu corpo. E se eu nunca aprender isso, que ao menos me sirva de consolo ter chegado a esta curva da estrada e saber que a seguir há-de ser sempre tudo igual e que não há nada para perceber, não há prateleiras para arrumar as vidas, nem livros onde as possamos aprender ou explicar, nem nomes para as lágrimas ou para o riso, nem classificações para os vários tipos de calor que sinto dentro do peito quando me imagino nos teus braços ou para o gelo que me torna numa estátua quando a tua ausência ganha a forma voraz dos seres mitológicos imaginados pelos homens ao longo dos tempos.
Estamos todos sós, a caminhar entre o céu e a terra, com mais ou menos força, mais ou menos vontade. Vamos todos na mesma direcção, quer queiramos, quer não. Queremos todos chegar a um sítio melhor, senão não íamos, ficávamos, imóveis como as plantas ao sabor das estações. E é esse misterioso lugar que o amor nos permite entrever e que, por isso, nos aproxima da morte. E é por isso que eu, independentemente do que possa ter aprendido, continuo unicamente a desejar morrer nos teus braços.

17 de julho de 2010

Europa

Encontrei um estranho num comboio em Munique e então pensei, que rapaz tão bonito, que lindos olhos verdes e depois conversámos e o estranho foi-se embora mas antes beijou-me e eu gostei dos lábios dele e depois encontrei um estranho num bar em Salzburgo e então pensei, que senhor tão simpático, que sorriso tão afável e depois o estranho foi-se embora e veio outro e esse era de Budapeste e era tímido mas agarrou-me e beijou-me e eu não queria mas beijei-o e depois fui-me embora e depois encontrei o estranho simpático do sorriso afável em Paris e ele disse-me, que rapariga tão linda, lembro-me de te ter encontrado em Salzburgo e gostei de ti e então o senhor já não era um estranho porque eu já estava a falar com ele pela segunda vez noutra cidade diferente e depois ele disse és mesmo tu e eu acreditei que ele se lembrava de mim por ser mesmo eu e ele abraçou-me e beijou-me e disse que queria voltar a encontrar-me noutras cidades e eu acreditei e então ele agarrou-me por baixo dos braços, como se faz às crianças, e olhou-me nos olhos e atirou-me ao ar e eu subi a sorrir em direcção às nuvens e ele olhava para mim e sorria e eu devia cair de volta nos braços dele em Estugarda e ir com ele de mão dada até Zurique e sustive a respiração assim durante uns segundos e quando vinha a descer os braços dele já não estavam lá e eu estatelei-me no chão.

Como um sonho acordado

Como se a Terra corresse
Inteirinha atrás de mim
O medo ronda-me os sentidos
Por abaixo da minha pele
Ao esgueirar-se viscoso
Escorre pegajoso
E sai
Pelos meus poros
Pelos meus ais
Ele penetra-me nos ossos
Ao derramar-se sedento
Nas entranhas sinuosas
Entre as vísceras mordendo
Salta e espalha-se no ar
Vai e volta
Delirante
Tão delirante
É como um sonho acordado
Esse vulto besuntado
A revolver-se no lodo
A deslizar de uma larva
Emergindo lá no fundo
Tenho medo ó medo
Leva tudo é tudo teu
Mas deixa-me ir

Arrasta-me à côncava funda
Do grande lago da noite
Cruzando as grades de fogo
Entre o Céu e o Inferno
Até à boca escancarada
Esfaimada
Atrás de mim
Atrás de mim
É como um sonho acordado
Esses olhos no escuro
Das carpideiras viúvas
Pelo pai assassinado
Desventrado por seu filho
Que possuiu lascivo
A sua própria mãe
E sua amante

Meu amor quando eu morrer
Ó linda
Veste a mais garrida saia
Se eu vou morrer no mar alto
Ó linda
E eu quero ver-te na praia
Mas afasta-me essas vozes
Linda

Tens medo dos vivos
E dos mortos decepados
Pelos pés e pelas mãos
E p´lo pescoço e pelos peitos
Até ao fio do lombo
Como te tremem as carnes
Fernão Mendes

Fausto

16 de julho de 2010

Still

No fundo do lago



E então eu já não sabia há quantos dias tinha estado nos braços dele, podiam ser três, sete, dez mil, porque perdi o tempo, saí de mim, descolaram-se-me os órgãos vitais e eu já era só uma carcaça a vaguear pela cidade, perdida. Quando ele desapareceu pela última vez atrás da esquina eu fiquei sozinha, parada, a olhar o lago imenso no escuro da noite, virada para a imensidão do vazio no meu peito e quis morrer ali, entrar no lago, chegar ao meio e perder-me para sempre, quieta, lá no fundo, no meio dos peixes e das algas, como se tivesse regressado ao ventre da minha mãe. E no tempo que veio a seguir a solidão tomou conta do meu corpo porque ninguém pode substituir os braços que eu queria que me abraçassem e já era só eu e a minha dor a agigantar-se-me corpo adentro, a caminhar comigo nas ruas, a apertar-me a garganta, a adormecer comigo e a acordar-me a meio da noite, cavalgante, retumbando dentro do meu peito. E no tempo que fica para a frente eu não sei o que quero fazer e isso é o pior de tudo porque eu quero acreditar com toda a força e por isso fecho os olhos e faço muita força mas não saio do escuro do lago, não respiro, não me viro para cima, para o céu, até porque sempre tive vertigens, sempre tive medo das alturas, até de andar de avião, porque os homens não são pássaros ou se calhar até são, pelo menos os que eu conheço porque tendem a voar para longe de mim e eu se calhar sou um peixe a abrir e a fechar a boca para tentar apanhar a vida e ela a escapar para cima e eu sempre a olhar tudo de baixo e a desejar que me cresçam a merda das asas (sempre a merda das asas) e há sempre umas mãos à volta do meu pescoço, entrelaçadas e o meu destino a dizer-me não, agora ficas aqui que estás aqui muito bem e eu a querer sempre outra coisa qualquer, diferente, verdadeira, genuína, pura e isso não existe. Só há homens e mulheres como eu, perdidos, a tentar fazer coisas e a tentar resolver problemas gerados pelas coisas que fizeram e a correr por ruas íngremes abaixo sem parar porque se se tenta parar bate-se com os dentes no chão e todos temos medo da dor e de ficar sem dentes, todos temos pesadelos em que nos caem os dentes e são horríveis como se o nosso corpo se estivesse a desintegrar e fossemos assim perdendo pedaços até deixarmos de ser, por isso eu acho que é importante manter os dentes para comer e sorrir, mesmo quando só nos apetece chorar e perder os membros todos, um a um, até ficar só um torso espetado algures na terra, onde talvez um dia, um pássaro qualquer possa querer pousar.

22 de junho de 2010

Moby Dick

"Só grandes penas e pequenos louros para os que pedem ao mundo que lhes dê uma explicação. O próprio mundo não pode explicar-se."

15 de junho de 2010

E estas

14 de junho de 2010

13 de junho de 2010

Graffiti

10 de junho de 2010

A ocidente, liberdade

Vieram do outro lado do mundo e mudaram-me o olhar e o sentir irremediavelmente. Eu tinha de deixar porque já não via para onde me virar no meio dos buracos todos que as rosas arrancadas foram deixando no meu peito. Agora estou virada para onde o sol se põe, como se já tivesse nascido virada para lá, para o ocaso e a noite escura. Sempre fui mais de noites que de dias, mais de Outonos e de sombras que de sol, mais de calma e solidão que de festas. Do lado de lá, o lugar onde eu nasci é o oriente, onde o sol nasce, o lugar onde o meu destino e a minha origem se confundem.
No princípio do caminho eu tinha três anos e estava à janela à espera do carro que havia de chegar. E o meu pai chegou já de noite e tinha um casaco de fazenda e uma gravata azul escura às bolinhas brancas e tempo e histórias que durante muito tempo lambi das paredes da sala onde o projector lançava imagens. Sonhos passados e futuros a germinar por mim adentro e uma boneca loira que se ria e falava aquela língua que eu ainda não percebia  e a quem a minha mãe um dia, desgraçadamente, cortou os caracóis.
Por isso eu tenho de entrar em aviões, mesmo com medo de não aterrar noutro lado qualquer, descolada da terra e do céu, para percorrer o caminho da liberdade.


8 de junho de 2010

Tejo e além Tejo






3 de junho de 2010

Swans

Hoje estive a ouvir os álbuns dos Swans que já não ouvia há muito tempo. Lembro-me dos meus pais ficarem preocupados comigo quando eu ouvia estas coisas aos quinze anos. Se calhar tinham razão. Cresce-se a ouvir isto e fica-se para sempre com a sensação de que nos falta um bocado de um órgão qualquer que nos permitiria sermos uns seres humanos mais organizadinhos. Acho que pela primeira vez oiço esta música enquanto me sinto verdadeiramente adulta. Conheço os acordes todos e os trejeitos vocais, ouvidos centenas de vezes ao longo dos anos. Parece-me tudo ainda melhor agora, com mais sentido. Olhando para trás, reconheço-me.




22 de maio de 2010

Moleza na área...

Crescer para cima

“Íamos subindo, e de socalco em socalco os jardins mudavam de fisionomia. Alguns tinham a forma de labirinto, outros a figura de um emblema, mas só se podia ver o desenho dos socalcos inferiores a partir dos socalcos superiores, de modo que descobri do alto a forma de uma coroa e muitas outras simetrias que não tinha conseguido notar ao percorrê-las, e que de qualquer maneira eu não sabia decifrar. Cada socalco, visto por quem se movia nele por entre as sebes, por efeito de perspectiva mostrava algumas imagens mas, visto novamente do socalco superior, fornecia novas revelações, possivelmente até de sentido oposto – e cada degrau daquela escada falava assim duas línguas diferentes no mesmo momento.”

O Pêndulo de Foucault, Umberto Eco

17 de maio de 2010

Paris



















Círculos



Já tinha ouvido este álbum dezenas de vezes, mas ainda não tinha visto o filme todo com atenção. Vi-o antes de partir para Paris, onde mais uma vez fui encontrar-me com a música dos Wovenhand ao vivo, aproveitando a desculpa para visitar uma grande, grande amiga e, claro, a cidade. E é curioso como os círculos que se fecham me trouxeram de volta a esta experiência, com as hordas motorizadas em formigueiro de gigantes a rolar pelo asfalto e os arcos de hula hoop a percorrer os corpos das heroínas do filme. Quando viajo em busca destes senhores, onde quer que vá, encontro-me muito mais inteira e regresso cheia de uma harmonia nova e circular, de uma sensação de completude lógica, saída das entranhas da esfera maior de todas. Agora tento chegar a casa. Tento regressar, perceber o que fazer com tudo o que ganho. E ganho finalmente coragem para ouvir as músicas novas que trouxe na bagagem. Deixo-me esmagar até à próxima peregrinação.

5 de maio de 2010

Radios play nothing whens she's far away

Curtia bué que a minha vida fosse um bocado mais sónica.


29 de abril de 2010

Pessoa

Abro muitas vezes o Livro do Desassossego aleatoriamente, porque é assim mesmo, o livro que não é livro e, geminiana desassossegada, encontro-me sempre nestas páginas. Passem os anos que passarem. Há muito tempo que não o abria. Hoje foi assim (e certo como sempre):

"O que tenho sobretudo é cansaço, e aquele desassossego que é gémeo do cansaço quando este não tem outra razão de ser senão o estar sendo. Tenho um receio íntimo dos gestos a esboçar, uma timidez intelectual das palavras a dizer. Tudo me parece antecipadamente frustre.
O insuportável tédio de todas estas caras, alvares de inteligência ou de falta dela, grotescas até à náusea de felizes ou infelizes, horrorosas porque existem, maré separada de coisas vivas que me são alheias..."

Hopefully, just above me, Heaven's watching over me

28 de abril de 2010

Raízes




















































































25 de abril de 2010

25 de Abril

Infelizmente os braços erguidos são cada vez menos, os cravos custam um euro cada, e a malta com o calor tem mais vontade de se juntar para beber cervejas... Será que um dia nos vamos todos esquecer de Abril? E quando morrer a geração destes braços?

13 de abril de 2010

Crise de identidade

Pergunto-me se é possível ser-se cristão e trabalhar num banco. Se é possível ser-se de esquerda e trabalhar num banco. Se é possível ser-se honesto e trabalhar num banco. Se é possível ser-se inteligente e trabalhar num banco. Se é possível ser-se feliz e trabalhar num banco. E respondo-me que só é, se não se pretender ser pelo menos duas destas coisas em simultâneo.

Lisbondres

Hoje no metro, na estação do Marquês, ouvi pela primeira vez a voz de uma senhora repetir "atenção à distância entre o cais e o comboio", que é como quem diz "mind the gap" em português. Depois às duas da tarde ia morrendo assada nos Restauradores e às cinco já chovia e fazia frio pela cidade toda. Pareceu-me que tinha trazido um bocado de Londres agarrado às solas dos sapatos.

Londres

Passei dez dias das últimas semanas em Londres e já pensei que devia ter escrito algo maravilhoso sobre o assunto para pôr aqui. Como se fosse uma obrigação. Adorei verdadeiramente a cidade. Tenho trinta e um anos, nunca tinha ido a Londres e cheguei com a alma muito cheia de coisas boas. Mas coisas que me parecem tão boas que só alguém tão bom como elas poderia escrever algo decente sobre o assunto. Além disso a Primavera deprime-me e baralha-me. Penso em milhões de coisas ao mesmo tempo e sonho acordada mas parece tudo muito pouco coerente, tudo fragmentado, estilhaços criativos que não consigo colar para fazer nada. E depois há a depressão sazonal e a tensão pré menstrual e o regresso ao trabalho (que saudades do regresso às aulas...) e a casa para arrumar e mais uma dúzia de boas desculpas para não ter de me obrigar a mais nada. Muito menos a escrever. Assim, para não ficar com a consciência totalmente pesada, posso simplesmente dizer que, entre muitas outras coisas de que gostei muito, vi isto, e isto e isto e isto e ainda isto e isto e podia continuar mas fico-me com apenas mais isto. Valeu tudo muito, muito a pena. E cresci.

8 de março de 2010

Curiosamente, até estou bem disposta



Instincts that can still betray us
A journey that leads to the sun
Soulless and bent on destruction
A struggle between right and wrong
You take my place in the showdown
I'll observe with a pitiful eye
I'll humbly ask for forgiveness
A request well beyond you and I

Heart and soul, one will burn
Heart and soul, one will burn

An abyss that laughs at creation
A circus complete with all fools
Foundations that lasted the ages
Then ripped apart at their rootsBeyond all this good is the terror
The grip of a mercenary hand
When savagery turns all good reason
There's no turning back, no last stand

Heart and soul, one will burn
Heart and soul, one will burn

Existence well what does it matter?
I exist on the best terms I can
The past is now part of my future
The present is well out of hand
The present is well out of hand

Heart and soul, one will burn
Heart and soul, one will burn

16 de fevereiro de 2010

Reciprocidade

Não me parece hoje haver maior ingratidão que a de não receber o amor que se nos oferece. Porque não se quer, porque não se sabe ou porque não se quer saber. Sempre gostei de dar. Dar de mim aos outros. Qualquer coisa que se dê, seja um presente ou apenas um gesto ou um sorriso, leva-nos para fora de nós e assim nos cumprimos como seres humanos. Isso é amar os os outros e amarmo-nos a nós próprios. Quando o que damos se esfuma no ar, esfumamo-nos também um pouco. Mas não se pode desistir. Se soubermos dar e receber, saberemos tirar o melhor de nós e dos outros. O amor, como o ódio, espalha-se e reproduz-se. E também se pode aprender, se se quiser. Eu sempre gostei de dar. Às vezes as pessoas não recebem. O melhor é virarmo-nos para os que estão interessados. Investimos nessas pessoas e elas investirão noutras. Estas coisas muito simples demoram muito tempo a aprender. Dentro de mim, perdoo o que antes me era impossível perdoar.

11 de fevereiro de 2010

Civilização

Hoje, numa rua central de Lisboa, capital de Portugal, vi uma senhora muito distinta meter um guarda-chuva partido no ecoponto amarelo.

29 de janeiro de 2010

26 de janeiro de 2010

Paisagens das entranhas

















Mark Rothko, 1949, 1968, 1969

24 de janeiro de 2010

Precisamente isto #2


















Retirado daqui.

16 de janeiro de 2010

10 de janeiro de 2010

Precisamente isto

"Cada ves más, quedarme solo es volver a encontrarme con alguien que quizá siempre me acompaña, pero que únicamente aparece, reaparece, cuando no hay absolutamente nadie."

Ramón Gaya, Diario de Un Pintor

8 de janeiro de 2010

2010

Dois mil e dez. Dois zero um zero. Só hoje é que olhei para a data com atenção. Só hoje é que percebi que mudou o número e mudou o ano e também mudou a década.

6 de janeiro de 2010

Ressaca (do Português Suave)

Cêgripe, lenço de papel, chá quentinho, casaco de lã, xarope para a tosse, antibiótico, lenço de papel, mais chá quentinho, aquecedor, edredão de penas, anti-inflamatório, termómetro, lenço de papel, olhos a arder, garganta a doer, pastilhas, rebuçados, colheres de mel, tosse, tosse, tosse, quero fumar um cigarro... Aliás, quero fumar um maço de tabaco INTEIRO!

5 de janeiro de 2010

Tecituras




Há já algum tempo que me apetecia tricotar. Gostava de fazer um cachecol colorido, daqueles muito básicos, lã grossa, risca verde, risca amarela, risca vermelha, risca azul. Quando numa ida a uma loja de chineses vi meadas de lã alinhadinhas nas prateleiras a meia dúzia de cêntimos, fiquei ainda com mais vontade. No Natal, entre outras coisas, aproveitei para pedir à minha mãe que me relembrasse umas quantas coisas básicas e me emprestasse agulhas de tricotar. Das grossas! E desde então estou viciada no tricot e no cachecol que vejo crescer-me dos novelos e dos dedos com entusiasmo. Parece que tenho um jogo novo qualquer. Como quando fiz um puzzle de três mil peças e todos os dias pensava em vir para casa a correr para fazer mais um bocadinho. Mas como os jogos que viciam, a coisa entrou-me num destes dias pelo sono adentro quando estava ainda naquela vigília entorpecida do adormecer em que as coisas são sonhos e são coisas e se mistura tudo. Comecei a pensar num texto para escrever e estava a ditá-lo a mim própria para não me esquecer dele e de repente já estava a escrevê-lo aqui mas escrevê-lo era tricotá-lo nas minhas lãs coloridas e eu via o cachecol de ideias a crescer no ecrã do computador à medida que ia escrevendo. Lembrei-me de quando era pequena, jogava horas e horas de tetris e quando ia deitar-me fechava os olhos e adormecia a ver peças coloridas a cairem cada vez mais depressa pelo meu sono abaixo.