28 de janeiro de 2009

Pequena homenagem a um grande homem

No meio das literaturas todas que consumo há anos, sempre a tentar preencher as lacunas dos clássicos e, ao mesmo tempo, manter a actualidade, tropecei, há cerca de um ano, no senhor John Updike. Li dois livros dele quase de seguida e ambos me marcaram, me mudaram, até, como só as coisas muito fortes conseguem. Passei a admirar muito o homem e a sua obra. Hoje olhei para a capa do Público e vi a sua fotografia com duas datas... Gostava de acreditar no céu e desejar que a alma dele fosse para lá.


















«A cidade estende-se desde filas de casas de bonecas ao lado do parque e através de um largo e esbatido ventre da cor de um vaso de flores vermelho, pontilhado de telhados escuros e carros cintilantes e termina com um tom rosado na bruma suspensa sobre o rio distante. Os reservatórios de gás cintilam por entre o fumo. Os arredores parecem cicatrizes. Mas a cidade é enorme no centro e ele abre a boca como se quisesse forçar os lábios da alma a receberem neles o gosto da verdade, como se a verdade fosse um segredo diluído numa proporção tão baixa que apenas a imensidade lhe pudesse dar um sabor perceptível. E é na sua boca que o ar seca.
O seu dia foi perturbado por Deus: Ruth troçou, Eccles pestanejou... Porque te ensinam tais coisas se ninguém acredita nelas? Daqui parece simples que, se existir um chão, tem de existir um tecto e o espaço verdadeiro em que vivemos é o espaço superior. Alguém está a morrer. Nesta grande extensão de tijolo, há alguém moribundo. Aquele pensamento chega-lhe sabe lá de onde: simples percentagens. Alguém nalguma casa daquelas ruas morre, se não for naquele minuto será no próximo, e Harry crê que o coração dessa rosa abatida e prostrada se encontra naquele peito subitamente petrificado. Procura o lugar com os olhos, esperando talvez ver a alma de um velho enegrecida por um cancro ascender através do azul como uma marioneta. Aguça os ouvidos para escutar o ruído da libertação quando a ilusão avermelhada aos seus pés abandonar esta realidade. O silêncio atordoa-o. Filas de carros que se movem lentamente sem fazer ruído; um ponto sai de uma porta. Que está ele aqui a fazer no meio do ar? Porque não está em casa? O terror invade-o.»

Corre, Coelho

John Updike

11 de janeiro de 2009

Sol de Inverno

Esta semana o frio chegou-se a Lisboa com unhas e dentes. Saí de casa um destes dias de manhã (atrasada como sempre), com os meus fones nas orelhas, pronta para enfrentar o dia. Estava sol e havia gelo nos passeios e pessoas a escorregar em poças de água quebradiças. Quando saí do autocarro e comecei a minha caminhada, começou a entrar-me esta música na cabeça. Embora o Tom Barman diga que o Verão chegou, o Inverno pareceu-me mais certo e mais belo a ouvi-lo cantar. E depois esta música é daquelas que me fazem estugar ainda mais o passo, cheia de vibrações boas a romper-me os músculos, metida num videoclip filmado de dentro para fora. Ainda por cima a música é banda sonora de um filme em que o mesmo senhor, o que me canta aos ouvidos, passa o tempo a filmar pessoas a andar de um lado para o outro na cidade. Entrei no filme e, para onde quer que o vento soprasse, senti-me terrivelmente feliz.


1 de janeiro de 2009

Aprender com os outros

Andei durante anos a festejar as passagens de ano porque sim, porque é suposto haver aquela coisa da festa, dos amigos, do champanhe, das batatas fritas de pacote, dos copos até às tantas, da música e das ressacas no primeiro de Janeiro. Durante todos estes anos cumpri com as tradições quase todas (não me façam comer passas!), acompanhei as contagens do relógio, saltei à meia noite, distribuí beijos e abraços, desejei e recebi votos e mais votos de bom ano novo, fiz muitos brindes e dancei e ri e chorei. Esta festa tem esta duplicidade de ser uma coisa em grande se olharmos para o nosso ano e de ser uma coisa banal e repetida se olharmos para a nossa vida. Mas esta festa só é uma coisa em grande por ser banal e repetida, por ter esse potencial de ser uma noite como outra qualquer. Talvez só tenha tomado consciência disto ontem. E foi preciso fazer uma tarde de limão merengada! Obrigada princesa.