5 de novembro de 2011

Citações

"Antes das coisas, já existia Deus, mas só depois do homem é que ele vive."

Teixeira de Pascoaes

27 de outubro de 2011

Ser longe com os olhos





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Vira o disco

Como é que se encara a possibilidade de se ser triste de fórma crónica, com lágrimas infinitas, para gastar e gastar até aos últimos dias de olhos abertos (ou apertados com força)? Como é que se encara a ideia de que o mundo é esta máquina indiferente e dura que se borrifa nas nossas enxaquecas e ansiedades e depressõezinhas e crises e a troika e o caralho? Como é que se aprende a ser quando já se soube tantas vezes e se desaprende sempre outra e outra vez cada vez mais depressa e mais profundamente? Como? E se deus não faz sentido porque não está para lá de nós, como encontrar aquele que se nos revela cá dentro? A merda da luz está sempre fundida. Sempre que chego a casa não vejo o buraco da fechadura. Qualquer dia nem o caminho para casa consigo voltar a encontrar e aí é que vão ser elas. Isto é assim: vá, toma lá isto com um copo de água logo de manhã para aguentares não gostar lá muito de ti própria. É como deixar os putos copiarem e não estudarem. O pessoal até tira notas suficientes para passar, mas não sabe nada. Quem me dera não saber nada. Devia ter copiado muito mais na escola.

22 de outubro de 2011

Antidepressivo

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

20 de setembro de 2011

She´s Lost Control



But she expressed herself in many different ways,
Until she lost control again.
And walked upon the edge of no escape,
And laughed I've lost control.

O cerco


Tu estás num sítio e acontecem coisas nesse sítio que obedecem à lógica do senso comum que aprendeste com a vida. Os teus pais ensinaram-te a respeitar os outros para seres respeitado e isso devia ajudar-te a respeitares-te, também, a ti próprio. Onde começa e acaba esse respeito? Tu estás num sítio e fazes coisas diferentes todos os dias que servem para uma máquina funcionar e dessa máquina sai pão. Para ti e para os outros. Consoante o teu trabalho na máquina, recebes mais ou menos pães. E assim os outros contigo. Tu estás num sítio e acreditas que estás a fazer a coisa certa e que se não o fizeres alguém te avisa para poderes corrigir. Os dias passam. Tu aperfeiçoas-te. Respeitas-te e, por isso, és respeitado. Um dia chega um homem com outra vida e outras verdades e outras lógicas. Para fazer pão já não te pedem o mesmo. Agora é preciso pessoas para contar grãos de farinha. Quem mais grãos de farinha contar, mais pães recebe. Só que as pessoas, com o tempo, já não sabem a que sabe o pão, já perderam a receita. Fazem outra coisa que tem o mesmo nome do pão e que, por isso, passa a ser o pão. Mas ninguém se lembra como chegou ali. E tu, que nunca esqueceste a receita, tu que sabes que o homem está mais nú que o rei e que o pão sabe a pão e que o mar vai e volta em cada onda e que os homens são todos iguais no leito de morte, tu, sozinho, gritas.  Gritas um dia atrás do outro, voz rouca paredes fora, janelas fora, rua fora, casa adentro, gritas. Acordas o ser que a teu lado dorme por ter já desistido de procurar o teu silêncio dentro dos gritos. Acordas dores no teu corpo. Acordas pesadelos antigos que se formam uns atrás dos outros nas insónias longas da noite e depois saem pela cabeça, largando mãos cheias do teu cabelo no ralo da banheira. Acordas rios e lagos de lágrimas e convulsões e o teu corpo estremece e sacode-se e cai e levanta-se e cai.
Mas o homem diz que tu já não serves para trabalhar na máquina porque não sabes contar. E não te adianta dizer nada porque tu falas a língua dos vivos no mundo dos mortos e então só te resta morrer ou fugir. Não queres morrer e não podes fugir porque precisas do pão para não morrer. Mas também não podes ficar porque não sabes fazer o que o homem quer que tu faças. Então caminhas todos os dias em volta da cerca à procura de uma brecha. Todos os dias às voltas, às voltas, às voltas, o chão já gasto debaixo dos teus pés, os sulcos das lágrimas já marcados no teu rosto, o monte dos teus cabelos no chão, o teu corpo a fraquejar, o ódio e a raiva a matarem o teu amor pelo sol, pela vida, por ti. Até quando?

23 de julho de 2011

Carne viva

Para sempre.


Lucien Freud (1922-2011)

18 de julho de 2011

Poesia na cidade


 


















  
Robert Montgomery

Há a fé e há também a psicoterapia

Viver sem Deus, sem sol, sem luz, sem amar a vida e o próprio do coiro, pode ser viver sem  paz e sem descanso. Mas, de tempos a tempos, vale-me o paradoxo da fé nos homens e mulheres da ciência, para tentar chegar a essa coisa que alguns parecem saber bem de nascença e outros, como eu, lutarão a vida toda para encontrar. Sobem-se e descem-se arribas arranhando um braço ou outro. Ganha-se músculo.

"E quando o evento, a grande mudança na nossa vida, é simplesmente uma intuição, uma percepção... não é uma coisa estranha? Não é estranho que absolutamente nada mude, a não ser o facto de vermos as coisas de modo diferente, de termos menos medo e menos ansiedade e, de uma maneira geral, nos sentirmos mais fortes, em consequência disso: não é espantoso que uma coisa completamente invisível, dentro da nossa cabeça, possa dar a sensação de ser mais real do que qualquer outra coisa que experimentámos antes? Vemos as coisas mais claramente e sabemos que estamos a vê-las mais claramente. E tomamos consciência de que isso significa amar a vida, de que é disso que quem fala a sério a respeito de Deus está sempre a falar. Em momentos assim."

Jonathan Franzen, Correcções


9 de junho de 2011

Karl Blossfeldt








Quando descobri este senhor, foi assim.
O ser na planta, delicado, ambíguo.

16 de maio de 2011

Pó no chão

Pelo soalho escuro caminho descalça. Pó, cotão, pêlo de gato, migalhas, tudo se me cola aos pés. O dia a dia da casa cola-se-me aos pés, como se os restos da pele que vai morrendo, espalhados pela casa, pudessem ir-se acumulando em camadas até formar outra vida, outro corpo igual ao meu com quem partilhar os dias e as noites. O sol está forte lá fora, mas a cortina amarela transforma a luz que entra na sala numa fotografia antiga, onde os objectos parecem suspensos, imortais, onde até eu me sinto perder substância. Sento-me, acendo um cigarro, concentro-me no fumo que entra espesso e sai rarefeito do meu corpo. Pouca coisa faz sentido na minha cabeça hoje e respirar é um maravilhoso e salvador mecanismo que me permite não morrer, mesmo quando me esqueço de ser. Mesmo quando o meu corpo não sou eu e a minha identidade se perde na confusão da ansiedade e da tristeza. A solidão é um porto de abrigo. A solidão é um buraco negro que eu carrego desde que me lembro, é o monstro que eu alimento com carinho porque já não sei viver sem ele. Como uma criança fechada numa cave desiste de tentar fugir, mesmo sofrendo todos os dias. Seremos nós assim tão caninos e cobardes? E os que supostamente são heróis e põem a sua vida em risco, não o fazem também porque não têm esperança em mais nada, ou por fanatismo? Porque onde é que tudo começa e recomeça? As perguntas nestes dias são sempre mais que muitas. As respostas demoram sempre muitos dias e muitas lágrimas a chegar. Muitas insónias, muitos cigarros, muitas páginas em branco... Tenho de aspirar o chão da sala. Vou ver o que está a dar na televisão.


Fotografia - W. Eggleston

2 de março de 2011

26 de fevereiro de 2011

Eu fico com o que não está escrito

Esta noite sonhei que estava numa sala de jantar cheia de pessoas, sentadas a comer numa grande mesa. O ambiente era festivo mas eu sentia alguma estranheza em relação a todas as pessoas, como se tivesse acabado de chegar de uma viagem de muitos anos. Uma mulher alta como uma deusa, morena e com grandes olhos verdes levantou-se da cabeceira da mesa e veio abraçar-me. Perguntou-me então porque é que eu amo tanto a natureza, porque é que me entusiasmo tanto com pequenos detalhes nas conchas da praia e nas sementes que caem das árvores, com os animais todos, dos grandes mamíferos aos pequenos insectos, com a luz do sol ou o azul do céu. Respondi-lhe que é assim porque para mim a natureza é Deus e assim O posso amar em todas as coisas, pequenas e grandes, que me rodeiam. Ela abriu as mãos, cobriu-me o rosto e disse-me que ficava muito feliz por saber que eu tinha percebido isso, que é assim mesmo.

“-Ein Sof? – pergunta o frade, aludindo ao conceito cabalístico de um Deus incognoscível que não possui quaisquer atributos reconhecíveis. E vendo o meu assentimento, continua: - É pouco o conforto de um Deus que está para além de todas as coisas.
- Ah, conforto... Para isso, meu caro amigo, o que preciso é de uma mulher que se deite à noite comigo e filhos para abraçar, não um Deus. Pode ficar com o Senhor escrito nas páginas do Velho e do Novo Testamento para si. Eu fico com o que não está escrito.”

O último Cabalista de Lisboa, Richard Zimler

20 de fevereiro de 2011

1 de fevereiro de 2011

Um sonho



28 de janeiro de 2011

Alguns balanços (hallelujahs e mojitos)

2010 teve muitas coisas boas. Entre outras, salvação em tempos duros. A vida dá muitas voltas e há braços que sabemos que estão sempre lá.

















2 de janeiro de 2011

he's a working man
none can stay his hand
his are the three
faces of time
we keep walkin
and thinkin things to talk about
down on our prayer bones in line

go into the lords house
go in a mile
the world will bow
the knees will be broken for those who don't know how
he delights not in the streghth of horses
he takes no pleasure not in the cleverness of men