29 de maio de 2008

Persona(gens)


«Não acha que eu compreendo? O impotente sonho de ser. Não de parecer, mas ser. Consciente em cada momento. Vigilante. Ao mesmo tempo o abismo entre o que és para os outros e para ti próprio. O sentimento de vertigem e o desejo final de estar finalmente exposto. De ser visto através, cada gesto uma falsidade, cada sorriso um esgar. Cometer suicídio? Oh, não! É horrível. Não se faz isso. Mas pode ficar imóvel, em silêncio. Pelo menos não mente. Pode fechar-se dentro ou fora. Então não terá de representar, mostrar qualquer rosto ou fazer gestos falsos. Pensa que... Sabe... a realidade não é cooperante. O seu esconderijo não é estanque. A vida infiltra-se por todo o lado. Você é forçada a reagir. Ninguém pergunta se é real ou irreal, se é verdadeiro ou falso. É só no teatro que a questão tem peso. Até mesmo poucas vezes. Compreendo-a Elisabet. Compreendo o seu silêncio, a sua imobilidade. Que tenha colocado esta falta de vontade num sistema imaginário. Compreendo e admiro-a. Acho que devia manter essa representação até estar esgotada, até já não ter interesse. Depois pode abandoná-la. Tal como, pouco a pouco, deixa todos os outros papéis»

PERSONA, Ingmar Bergman

15 de maio de 2008

Começo



Perco-me em sensações novas. Descubro que os meus olhos adoram cores fortes e a minha pele o calor do Sol. O horizonte das minhas paisagens alarga-se. O Verão chega pela primeira vez com grande alarido em mim. Nem sei como digerir o verde todo que me entra pelos olhos dentro até transbordar, ou o azul todo do céu que me puxa para cima, bem alto, onde não há nada para além do ar fresco a bater-me na cara e a puxar para trás os meus cabelos.
Sou livre. Livre de me perder na luz do Sol com o entusiasmo de uma criança que descobre o mundo pela primeira vez. Livre de sentir o que cada segundo me possa trazer de novo. Livre de me ir embora para qualquer outro lugar a qualquer momento. Estou aberta ao mundo. Sinto tudo sem constrangimentos. Não me interessam o passado nem o futuro. Quero ser feliz agora.
E a felicidade pode ser uma corrida até lá abaixo, ao pé do mar, ou um mergulho na espuma branca das ondas. Nunca é tarde para arriscar!
Dou-te a mão, enterramos os pés na areia e eu digo-te «Hoje passei por um campo cheio, cheio de papoilas vermelhas. Senti o cheiro do Verão entrar-me pelas narinas enquanto caminhava em direcção ao mar, mãos abertas, vermelho nos olhos.» É bom ter alguém a quem dar a mão e falar sobre as cores! O vento vem despentear-nos os cabelos. Pensamos na corrida. Não temos pressa. Ainda há muito Verão para sentir, descobrir. E tu dizes-me «Que pena não podermos aproveitar melhor o vento... Se ao menos tivéssemos asas, ou velas, podíamos percorrer o azul...» e os teus olhos brilham, a tua vontade cresce luz adentro.Um, dois, três! Aqui vamos! O barulho dos pés na areia... Pára! Detemo-nos um momento. Saboreamo-lo. Uma onda vem molhar-nos os pés. Esperámos tanto tempo por isto tudo, agora é preciso sabermos muito bem de que matéria queremos ser feitas. Por dentro e por fora. Como as árvores com cascas duras, vidas inteiras de histórias para contar, folhas verdes, frutos, sombra... Como as árvores.