20 de setembro de 2011

She´s Lost Control



But she expressed herself in many different ways,
Until she lost control again.
And walked upon the edge of no escape,
And laughed I've lost control.

O cerco


Tu estás num sítio e acontecem coisas nesse sítio que obedecem à lógica do senso comum que aprendeste com a vida. Os teus pais ensinaram-te a respeitar os outros para seres respeitado e isso devia ajudar-te a respeitares-te, também, a ti próprio. Onde começa e acaba esse respeito? Tu estás num sítio e fazes coisas diferentes todos os dias que servem para uma máquina funcionar e dessa máquina sai pão. Para ti e para os outros. Consoante o teu trabalho na máquina, recebes mais ou menos pães. E assim os outros contigo. Tu estás num sítio e acreditas que estás a fazer a coisa certa e que se não o fizeres alguém te avisa para poderes corrigir. Os dias passam. Tu aperfeiçoas-te. Respeitas-te e, por isso, és respeitado. Um dia chega um homem com outra vida e outras verdades e outras lógicas. Para fazer pão já não te pedem o mesmo. Agora é preciso pessoas para contar grãos de farinha. Quem mais grãos de farinha contar, mais pães recebe. Só que as pessoas, com o tempo, já não sabem a que sabe o pão, já perderam a receita. Fazem outra coisa que tem o mesmo nome do pão e que, por isso, passa a ser o pão. Mas ninguém se lembra como chegou ali. E tu, que nunca esqueceste a receita, tu que sabes que o homem está mais nú que o rei e que o pão sabe a pão e que o mar vai e volta em cada onda e que os homens são todos iguais no leito de morte, tu, sozinho, gritas.  Gritas um dia atrás do outro, voz rouca paredes fora, janelas fora, rua fora, casa adentro, gritas. Acordas o ser que a teu lado dorme por ter já desistido de procurar o teu silêncio dentro dos gritos. Acordas dores no teu corpo. Acordas pesadelos antigos que se formam uns atrás dos outros nas insónias longas da noite e depois saem pela cabeça, largando mãos cheias do teu cabelo no ralo da banheira. Acordas rios e lagos de lágrimas e convulsões e o teu corpo estremece e sacode-se e cai e levanta-se e cai.
Mas o homem diz que tu já não serves para trabalhar na máquina porque não sabes contar. E não te adianta dizer nada porque tu falas a língua dos vivos no mundo dos mortos e então só te resta morrer ou fugir. Não queres morrer e não podes fugir porque precisas do pão para não morrer. Mas também não podes ficar porque não sabes fazer o que o homem quer que tu faças. Então caminhas todos os dias em volta da cerca à procura de uma brecha. Todos os dias às voltas, às voltas, às voltas, o chão já gasto debaixo dos teus pés, os sulcos das lágrimas já marcados no teu rosto, o monte dos teus cabelos no chão, o teu corpo a fraquejar, o ódio e a raiva a matarem o teu amor pelo sol, pela vida, por ti. Até quando?