27 de outubro de 2011

Ser longe com os olhos





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Vira o disco

Como é que se encara a possibilidade de se ser triste de fórma crónica, com lágrimas infinitas, para gastar e gastar até aos últimos dias de olhos abertos (ou apertados com força)? Como é que se encara a ideia de que o mundo é esta máquina indiferente e dura que se borrifa nas nossas enxaquecas e ansiedades e depressõezinhas e crises e a troika e o caralho? Como é que se aprende a ser quando já se soube tantas vezes e se desaprende sempre outra e outra vez cada vez mais depressa e mais profundamente? Como? E se deus não faz sentido porque não está para lá de nós, como encontrar aquele que se nos revela cá dentro? A merda da luz está sempre fundida. Sempre que chego a casa não vejo o buraco da fechadura. Qualquer dia nem o caminho para casa consigo voltar a encontrar e aí é que vão ser elas. Isto é assim: vá, toma lá isto com um copo de água logo de manhã para aguentares não gostar lá muito de ti própria. É como deixar os putos copiarem e não estudarem. O pessoal até tira notas suficientes para passar, mas não sabe nada. Quem me dera não saber nada. Devia ter copiado muito mais na escola.

22 de outubro de 2011

Antidepressivo

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos