21 de julho de 2010

Na curva da estrada

Acordo outra vez com o vazio a alastrar como uma mancha de óleo pelas paredes do quarto, a chegar aos pés da cama, a pingar do tecto sobre a minha pele. Gostava de perceber como é que pude tão irreflectidamente permitir-me voltar a ter medo de acordar. E que coincidências são estas que me movem por uns caminhos que, a princípio a medo, decido trilhar e que tendem a levar-me para desertos, colinas desoladas, campos minados onde acabo inevitavelmente por ferir-me, levando depois muito tempo a recuperar, tempo esse que seria com certeza bem mais proveitoso se usado para me fazer mais eu e menos outra qualquer.
Talvez fosse preciso eu chegar aqui, a este lugar, com esta precisa idade, tendo vivido exactamente o que vivi, para poder perceber que crescer também é um mito e que a minha arrogância não me leva mais longe, antes pelo contrário. E este é mais um dos ensinamentos de humildade que precisava que a vida me desse para crescer a sério, no sentido certo, não naquele em que durante muito tempo julguei que devia mover-me, que os rios correm para o mar e assim vão durante o tempo e o espaço que for preciso, sem quererem crescer para cima, como as árvores, pois não se cumpririam rios se assim não fosse e as árvores igualmente procuram o céu, mas contentam-se em permanecer ligadas ao mesmo ponto da terra durante toda a vida, que às vezes é uma infinidade quando comparada com as idades dos homens.
Falta-me aprender a suportar a dor da minha finitude para me poder cumprir eu também no meu corpo. E se eu nunca aprender isso, que ao menos me sirva de consolo ter chegado a esta curva da estrada e saber que a seguir há-de ser sempre tudo igual e que não há nada para perceber, não há prateleiras para arrumar as vidas, nem livros onde as possamos aprender ou explicar, nem nomes para as lágrimas ou para o riso, nem classificações para os vários tipos de calor que sinto dentro do peito quando me imagino nos teus braços ou para o gelo que me torna numa estátua quando a tua ausência ganha a forma voraz dos seres mitológicos imaginados pelos homens ao longo dos tempos.
Estamos todos sós, a caminhar entre o céu e a terra, com mais ou menos força, mais ou menos vontade. Vamos todos na mesma direcção, quer queiramos, quer não. Queremos todos chegar a um sítio melhor, senão não íamos, ficávamos, imóveis como as plantas ao sabor das estações. E é esse misterioso lugar que o amor nos permite entrever e que, por isso, nos aproxima da morte. E é por isso que eu, independentemente do que possa ter aprendido, continuo unicamente a desejar morrer nos teus braços.

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