16 de setembro de 2009

10 de setembro de 2009

Adulteza

Lembro-me de gostar, desde muito criança, do cheiro a perfumes fortes misturado com tabaco. Sobretudo nas mulheres. Também adorava o cheiro dos cigarros acesos dentro do carro, do fumo a viajar até ao banco de trás onde eu o inalava com prazer. Acho que o prazer que tirava destes cheiros tinha a ver com as fantasias que construía em volta deles, com o que me transmitiam de luxúria, de algo proibido que as aparências e os comportamentos dos adultos tentavam disfarçar na minha presença, mas que chegava até mim e me fazia desejar ser assim quando crescesse, uma mulher a cheirar a YSL e a tabaco. Agora que cheiro assim, fico cheia de inveja das miúdas que cheiram a champô e óleo Johnson’s. Acho que têm um cheiro lavadinho, uma coisa pura e sem falhas. Pressuponho-lhes as pernas sem celulite, os seios firmes e orgulhosos, os cabelos fartos e brilhantes e sinto os meus trinta e um anos a pesar-me. Mas conforta-me a minha sabedoria, aquilo a que chamamos maturidade e que os ingleses chamam, se traduzirmos à letra, adulteza e que é uma palavra magnífica para designar o que mais valorizo hoje nas pessoas que me rodeiam. Maturidade soa a coisa que está no ponto mas que já não se aguenta por muito mais tempo. Adulteza é coisa sólida, firme, coisa construída a pulso para gerações futuras apreciarem. (Cada vez gosto mais da língua inglesa.)

6 de setembro de 2009

Regresso (lentamente)

As coisas todas que trago comigo são grandes e crescem, ganham peso, fazem uma sombra cada vez maior a cada dia que passa. E a minha pele continua a tornar-se cada vez mais fina, os órgãos já quase à vista, a alma despida, nuazinha em pêlo, os sentidos alerta, a fazer sentinela, a toparem cada folha a mexer-se como um guerrilheiro na selva, rodeado de ameaças gigantes e desconhecidas. À procura da justificação, da razão deste estar-se num sítio a sobreviver, a olhar por cima do ombro. À procura de saber o que vale a pena, de saber se ter medo vale a pena, sabendo que não se pode simplesmente largar tudo e mudar de lugar. É assim. Foi assim. Aprende-se a caminhar sob as sombras, a entrever a luz como uma bênção, a dar-lhe valor, cada dia de sol uma dádiva. Aprende-se a carregar os pesos que vão crescendo (ainda falta aprender o que fazer com eles). Está-se sempre a caminhar, mas sempre à procura e, suspeito, na direcção errada. Já ninguém se lembra do cheiro nem do sabor da terra. Quanto mais pensamos e mais aprendemos mais nos esquecemos do que é verdadeiramente importante.