16 de maio de 2011

Pó no chão

Pelo soalho escuro caminho descalça. Pó, cotão, pêlo de gato, migalhas, tudo se me cola aos pés. O dia a dia da casa cola-se-me aos pés, como se os restos da pele que vai morrendo, espalhados pela casa, pudessem ir-se acumulando em camadas até formar outra vida, outro corpo igual ao meu com quem partilhar os dias e as noites. O sol está forte lá fora, mas a cortina amarela transforma a luz que entra na sala numa fotografia antiga, onde os objectos parecem suspensos, imortais, onde até eu me sinto perder substância. Sento-me, acendo um cigarro, concentro-me no fumo que entra espesso e sai rarefeito do meu corpo. Pouca coisa faz sentido na minha cabeça hoje e respirar é um maravilhoso e salvador mecanismo que me permite não morrer, mesmo quando me esqueço de ser. Mesmo quando o meu corpo não sou eu e a minha identidade se perde na confusão da ansiedade e da tristeza. A solidão é um porto de abrigo. A solidão é um buraco negro que eu carrego desde que me lembro, é o monstro que eu alimento com carinho porque já não sei viver sem ele. Como uma criança fechada numa cave desiste de tentar fugir, mesmo sofrendo todos os dias. Seremos nós assim tão caninos e cobardes? E os que supostamente são heróis e põem a sua vida em risco, não o fazem também porque não têm esperança em mais nada, ou por fanatismo? Porque onde é que tudo começa e recomeça? As perguntas nestes dias são sempre mais que muitas. As respostas demoram sempre muitos dias e muitas lágrimas a chegar. Muitas insónias, muitos cigarros, muitas páginas em branco... Tenho de aspirar o chão da sala. Vou ver o que está a dar na televisão.


Fotografia - W. Eggleston