16 de julho de 2010

No fundo do lago



E então eu já não sabia há quantos dias tinha estado nos braços dele, podiam ser três, sete, dez mil, porque perdi o tempo, saí de mim, descolaram-se-me os órgãos vitais e eu já era só uma carcaça a vaguear pela cidade, perdida. Quando ele desapareceu pela última vez atrás da esquina eu fiquei sozinha, parada, a olhar o lago imenso no escuro da noite, virada para a imensidão do vazio no meu peito e quis morrer ali, entrar no lago, chegar ao meio e perder-me para sempre, quieta, lá no fundo, no meio dos peixes e das algas, como se tivesse regressado ao ventre da minha mãe. E no tempo que veio a seguir a solidão tomou conta do meu corpo porque ninguém pode substituir os braços que eu queria que me abraçassem e já era só eu e a minha dor a agigantar-se-me corpo adentro, a caminhar comigo nas ruas, a apertar-me a garganta, a adormecer comigo e a acordar-me a meio da noite, cavalgante, retumbando dentro do meu peito. E no tempo que fica para a frente eu não sei o que quero fazer e isso é o pior de tudo porque eu quero acreditar com toda a força e por isso fecho os olhos e faço muita força mas não saio do escuro do lago, não respiro, não me viro para cima, para o céu, até porque sempre tive vertigens, sempre tive medo das alturas, até de andar de avião, porque os homens não são pássaros ou se calhar até são, pelo menos os que eu conheço porque tendem a voar para longe de mim e eu se calhar sou um peixe a abrir e a fechar a boca para tentar apanhar a vida e ela a escapar para cima e eu sempre a olhar tudo de baixo e a desejar que me cresçam a merda das asas (sempre a merda das asas) e há sempre umas mãos à volta do meu pescoço, entrelaçadas e o meu destino a dizer-me não, agora ficas aqui que estás aqui muito bem e eu a querer sempre outra coisa qualquer, diferente, verdadeira, genuína, pura e isso não existe. Só há homens e mulheres como eu, perdidos, a tentar fazer coisas e a tentar resolver problemas gerados pelas coisas que fizeram e a correr por ruas íngremes abaixo sem parar porque se se tenta parar bate-se com os dentes no chão e todos temos medo da dor e de ficar sem dentes, todos temos pesadelos em que nos caem os dentes e são horríveis como se o nosso corpo se estivesse a desintegrar e fossemos assim perdendo pedaços até deixarmos de ser, por isso eu acho que é importante manter os dentes para comer e sorrir, mesmo quando só nos apetece chorar e perder os membros todos, um a um, até ficar só um torso espetado algures na terra, onde talvez um dia, um pássaro qualquer possa querer pousar.

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