Olho-me ao espelho mas nunca sei bem o que ver. Todos os
dias há um olho mais aberto, outro mais fechado. Há um cabelo diferente. Há
marcas novas e pêlos que eu quero que nunca tenham nascido e arranco
furiosamente. Nunca soube se sou feia ou
bonita. Nas fotos sou sempre outra pessoa que eu não conheço. No espelho sou sempre
um ser que só existe ali, do outro lado, e que me surpreende ou me assusta. Nunca
gostei do facto de ter olhos pequenos, mas gosto de não ter um nariz grande. Às
vezes sou muito parecida com a minha mãe.
O que mais me incomoda é olhar-me com a mesma estranheza com que oiço
uma gravação da minha voz. Nunca me reconheço. Não faço ideia de quem sou e olho-me
sempre como se a pessoa que está ali fosse outra e não eu. Sou estranha a mim
própria e aos outros. Não-sou.
Queria acordar cedo e fazer muitas coisas. Em vez disso fico
a dormir. Durmo, durmo e sonho com fábricas onde há corredores entre enormes
pilhas de papel-higiénico em embalagens coloridas e se circula em pequenas
carruagens. Onde há no meio de cada corredor uma fila de máscaras em forma de
cabeça de leão, transparentes e brilhantes como medusas, que devemos colocar se
o alarme tocar. Durmo, durmo e sonho-me a fugir numa selva densa e pantanosa de
uns misteriosos e gigantescos tentáculos que saem dochão, com extremidades
incandescentes como brasas e nos enrolam as pernas, contaminando-nos com uma
doença que os permite depois localizar-nos sempre, onde quer que vamos. Depois
de infectadas com o vírus, as pessoas podem morrer. Sabemos que estão quase a morrer
porque, segundos antes, o seu cabelo cresce rapidamente em altura, encrespado e
ruivo como fogo. Tentamos balançar no ar, pendurados em estruturas metálicas
com lianas elásticas que nos balançam para trás e para a frente para não termos
de tocar com os pés no chão. E quando eu percebo que afinal este sonho é só um
filme, espeto os dedos nos olhos do realizador e digo que o filme não presta,
não tem argumento, é só efeitos especiais. E durmo, durmo e no meio de tanta
confusão ainda tenho medo de acordar e voltar para o mundo real.
Esta noite sonhei que estava a ver-me na televisão. Que
estava a ver um filme em que eu era actriz. E pensava, que péssima actriz sou
eu. Sempre que sei que estou a ser filmada a minha cara muda e pronuncio as
palavras com maneirismos e expressões que não me são naturais. E nunca sei como
é a minha verdadeira e espontânea expressão a falar. Quando falo com alguém em
frente de um espelho, olho sempre para mim própria enquanto falo e não para o
outro. Fico a observar-me, a tentar aprender quem é aquela rapariga ali a falar,
e a questionar-me como será ver-me com os olhos de outra pessoa. Quando falo no Skype é igual. Em vez de me
concentrar na imagem do outro, fixo-me no quadradinho pequeno que tem a minha
imagem, para poder imaginar como é ver-me. Nunca soube se sou bonita ou feia.
Agora há uns anúncios que aparecem no Facebook para nós clicarmos e ficarmos a
saber se somos bonitos ou feios. Quando vejo esses anúncios dá-me vontade de
rir e penso, por favor, será que alguém é tão ingénuo ou inseguro que entre
numa coisa destas? Há sempre quem esteja pior.